PROCESSO: 0855815-72.2022.8.19.0001 RECORRENTE: THAYNA MARTINS DOS SANTOS RECORRIDO: APPLE COMPUTER BRASIL LTDA RELAÇÃO DE CONSUMO. FORNECIMENTO DE CARREGADOR DE TELEFONE CELULAR. CABO INCOMPATÍVEL COM DEMAIS PADRÕES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE MERECE REFORMA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. VOTO VENCIDO Narra a recorrente que realizou a compra de um aparelho celular da recorrida que foi entregue sem a respectiva fonte para carregamento em tomada. Verificou que o cabo alimentador incluso na caixa não era compatível com os carregadores e tomadas comumente presentes no mercado, como em computadores, notebooks, tomadas USB e até veículos, uma vez que o cabo enviado junto com o telefone tem o formato USB-C, diferente do formato padrão costumeiramente utilizado. Requer a condenação da recorrida na obrigação de entregar o carregador do aparelho adquirido e a reparação pelos danos morais sofridos no valor de R$ 10.000,00. Ao contestar o pedido, a recorrida sustenta que em seu site há informação clara a respeito do conteúdo existente na embalagem do produto, inclusive com imagem de seus componentes. Que há vasta jurisprudência em demandas individuais e coletivas reconhecendo a absoluta inexistência de irregularidade na comercialização do aparelho iPhone desacompanhado do adaptador de tomada (acessório não essencial), bem como não configurada a ocorrência de venda casada. É, no essencial, o relatório. Pois bem, a recorrente em contestação colacionou argumentos orientados para a demonstração de sua preocupação ambiental, a qual é a origem da decisão empresarial de não fornecimento dos carregadores de bateria em conjunto com os smartphones por ela fabricados. Antes de adentrar aos argumentos formulados pela recorrida, é preciso partir de alguns pressupostos que envolvem a interconexão entre o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor, e um deles é o princípio do poluidor-pagador, de conteúdo ambiental e econômico, expressamente previsto no art. 6º, II, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: [...] II - O poluidor-pagador e o protetor-recebedor. O princípio do poluidor-pagador, essencialmente, implica a internalização das externalidades negativas decorrentes da produção. As externalidades, positivas ou negativas, são um conceito derivado da análise microeconômica, relativo às falhas de mercado, como explicitam Pindyck e Rubinfeld (2013): [a]s externalidades [são] os efeitos das atividades de produção e consumo que não se refletem diretamente no mercado [. .]. As externalidades e os bens públicos constituem importantes causas de falhas de mercado e, portanto, dão origem a sérias questões de política pública. [...] Quando as externalidades se encontram presentes, o preço de um bem não reflete necessariamente seu valor social. [...] [U]ma externalidade negativa ocorre quando uma usina de aço despeja seus efluentes em um rio do qual os pescadores dependem para sua pesca diária. Quanto mais efluentes forem despejados no rio pela usina de aço, menos peixes haverá. [...] Como as externalidades não estão refletidas nos preços de mercado, elas podem se tornar uma causa de ineficiência econômica. [...] Quando há externalidades negativas, o custo médio privado da produção é inferior ao custo médio social. Como resultado, algumas empresas permanecem no setor mesmo que sua saída seja mais eficiente. Portanto, as externalidades negativas estimulam a permanência de empresas demais no setor (PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 8. ed. São Paulo: Pearson, 2013). O princípio do poluidor-pagador, nesse contexto, segundo Milaré (2020), [a]ssenta-se [...] na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos (MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020). Subentende-se da argumentação da recorrida que o fornecimento simultâneo dos smartphones e dos carregadores de bateria ("adaptadores de tomada") acarretaria externalidades negativas as quais buscam ser sanadas por meio da cessação da venda conjunta. Acerca da presença da vocação redistributiva explicitada por Milaré, observa-se que a decisão estratégica da representada transferiu ao consumidor todo o ônus da operação. A internalização dos custos, dentro das medidas estabelecidas na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, não implica cessação de comercialização ou transferência de reponsabilidades da gestão da poluição do fornecedor para o consumidor. A recorrida, que se limitou a mencionar, esparsamente, a lei, não conseguiu justificar qual dos instrumentos previstos no art. 8º tornou "inevitável" a adoção da prática objeto deste processo. Se a busca da redução de impacto ambiental vinculasse concessões da própria fornecedora seriam consideradas, tal como aquela sobre a qual atingiu-se consenso entre o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu, em 7 de junho de 2022, a respeito da proposição de emenda à Diretiva 2014/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014. A proposta de emenda visa a obrigar os fornecedores de equipamentos eletrônicos nos quais se incluem smartphones, tablets e videogames portáteis, entre outros, a adotarem o padrão USB-C, eliminando a multiplicidade de padrões, inclusive aquele utilizado pela Apple com exclusividade, o Lightning. A supressão do fornecimento do carregador de bateria não considera o pressuposto de que a assunção dos custos sociais se opera por internalização deles pelo fornecedor/poluidor, em vez de sua transferência a outros sujeitos. A esse respeito, declara Machado (2016): O investimento efetuado para prevenir o dano ou o pagamento do tributo, da tarifa ou do preço público não isentam o poluidor ou predador de ter examinada e aferida sua responsabilidade residual para reparar o dano. "O poluidor-que-deve-pagar é aquele que tem o poder de controle (inclusive poder tecnológico e econômico) sobre as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo, portanto, preveni-las ou tomar precauções para evitar que ocorram" - salienta Maria Alexandra de Souza Aragão. No caso do consumo de um produto, havendo poluidor direto e poluidor indireto, afirma a jurista portuguesa que, tendo sido a produção poluente, "o poluidor-que-deve-pagar é quem efetivamente cria e controla as condições em que a poluição se produz, que neste caso é o produto" (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. Diante desse contexto, observa-se que não restou demonstrado que a supressão do carregador esteja vinculada a um plano de sustentabilidade, considerando que os marcos legislativos brasileiros (I) são muito anteriores à decisão estratégica da recorrida e (II) não impõem como obrigação ou dever à representada a supressão do fornecimento dos carregadores de bateria em conjunto com os smartphones por ela comercializados. Nesse ponto, oportuna a lição de Méo (2019): Muitos fornecedores abusam da credibilidade que é depositada pelo consumidor nas informações por eles transmitidas e utilizam-se indevidamente de técnicas de marketing ambiental, repassando aos consumidores características incorretas, incompletas e/ou não verdadeiras, fazendo com que o cliente seja enganado e adquira produtos e serviços que, de fato, não possuem atributos ambientais positivos. Essa conduta não transparente do fornecedor trata-se do denominado apelo ambiental excessivo ou greenwashing ou maquiagem verde, por meio da qual o consumidor é levado a acreditar que o produto ou o serviço contratado não denigre o meio ambiente. [...] O dicionário Oxford de língua inglesa, em 1999, introduziu a palavra greenwashing, definindo-a como a falta de informação disseminada por uma "organização para apresentar uma imagem pública ambientalmente responsável; ou uma imagem pública de responsabilidade ambiental declarada por uma organização que é percebida como sem fundamentos ou intencionalmente enganosa" (MÉO, Letícia Caroline. Greenwashing e o direito do consumidor: como prevenir (ou reprimir) o marketing ambiental ilícito. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019). Em síntese: não há internalização das externalidades negativas; não há solidariedade na proteção do meio ambiente; não há ganho ambiental mensurável em território brasileiro; e não há compensação pelos danos ambientais ocasionados desde a inserção do produto no mercado. Da mesma forma a solução proposta pela empresa para solução do dano ambiental, a supressão do fornecimento do carregador de bateria em conjunto com os smartphones vendidos, não é positiva por três razões. Em primeiro lugar, porque não há demonstração efetiva de proteção ambiental ocorrida em solo brasileiro decorrente da prática adotada pela representada. Em segundo lugar, a medida de supressão do fornecimento dos carregadores de bateria não passa pelo teste da necessidade, porque não implica a menor restrição possível ao direito do consumidor à obtenção de um produto completo para uso. A recorrida, continua a fabricar os carregadores de bateria, informa que a escolha da compra foi passada ao consumidor, mas, na verdade, é ela quem decidiu o modo de fornecimento de seu produto. Há, de fato, solução menos gravosa ao consumidor, que se concretizaria por meio da atribuição de opção verdadeira a ele de, no momento da compra, recusar o carregador (ou, em inglês, "opt-out"). Outra solução menos gravosa, que implica internalização das externalidades negativas do comércio dos produtos fabricados pela recorrida é a já mencionada substituição do conector Lightning pelo conector padrão USB-C. Essa uniformização de padrões, como suso mencionado, é objeto de proposta de emenda à Diretiva 2014/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho. Em terceiro lugar, devemos analisar a questão sob a ótica da proporcionalidade em sentido estrito, por meio da qual avalia-se se o ganho obtido pela promoção do direito levada a efeito pela medida em análise abona a restrição imposta ao direito "vencido". Não há elementos para considerar justificada uma operação que, visando, a reduzir emissões de carbono, acarreta a inserção no mercado de consumo de produto cujo uso depende da aquisição de outro, o que caracteriza a venda casada. A venda casada não é a única violação de norma protetiva ligada ao produto passível de incidência neste caso, pois, ainda que a empresa não mais comercializasse o carregador de bateria dos smartphones (ou seja, mesmo que não promovesse duas vendas em vez de uma), o produto original insere-se no mercado de consumo como bem individual, em vez de acessório de outros equipamentos fabricados pela empresa. A implicação direta dessa premissa é: o produto vendido pela fornecedora deve ser capaz de realizar sua função apenas com os elementos que compõem sua embalagem. Embora a recorrida tenha, em sua defesa, tenha classificação de bens entre principais e acessórios, a verdadeira correlação a ser analisada, para fins de observância das normas do CDC, opera-se entre a expectativa razoável a respeito dos fins do produto e a utilidade obtida com o bem adquirido. Essa relação é delineada, novamente, por Miragem (2019): O vício de qualidade do produto ou do serviço decorre da ausência, no objeto da relação de consumo, de propriedades ou características que possibilitem a este atender aos fins legitimamente esperados pelo consumidor. Geralmente diz respeito ao objeto da prestação em si (produto ou serviço), mas também pode ocorrer da violação de um dever acessório da obrigação pelo fornecedor comprometa (sic), ainda que parcialmente, sua utilidade para o consumidor. [...] Trata-se de uma frustração dos fins legitimamente esperados pelo consumidor na aquisição ou utilização do produto ou serviço. Dentre os fins legitimamente esperados incluem-se o atendimento da utilidade presumível e razoavelmente esperada do produto ou serviço (e.g., sobre a geladeira adquirida pelo consumidor espera-se que refrigere, assim como da caneta esferográfica, que seja com ela possível escrever em papel) (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019). A expectativa do consumidor orienta-se para aquilo que se consolida como conceito funcional de produto, crucial para a compreensão da prática ilícita atribuída à ré. Um produto vendido individualmente, não categorizado como acessório, apêndice ou atualização de outro bem, deve ser capaz, se bem durável, de realizar sua função, por longo período, exclusivamente com os componentes fornecidos conjuntamente em sua embalagem. A aptidão para que o bem atenda à finalidade específica a que se destina é um requisito necessário para que um produto não seja considerado defeituoso, por força do art. 18, § 6º, III, do CDC, a contrario sensu: Art. 18 [...] § 6º São impróprios ao uso e consumo: [...] III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Na hipótese dos autos, observa-se que os smartphones introduzidos no mercado pela recorrida a partir da linha iPhone 12 não são comercializados como acessórios, atualizações ou apêndices de versões anteriores do mesmo aparelho, caracterizasse com vício suficiente para ser considerado "impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou que lhe diminua o valor". Se a utilidade de um bem depende de outro que não é fornecido pelo fabricante nem tem sua presença pressuposta na vida e no ambiente do consumidor, a não disponibilização simultânea do carregador em relação ao smartphone se torna prejudicial ao consumidor. Outro ponto suscitado pela recorrida, o de "cumprimento do dever de informação", verifica-se a adoção de condutas insuficientes para atingimento dos deveres anexos da boa-fé objetiva. Esta, como norma de conduta, não se satisfaz, na relação de consumo, simplesmente por meio da informação, pois não apenas no Direito do Consumidor como também no Direito do Trabalho e até mesmo no Direito Civil, em menor grau, ela tem o poder de implicar limitação ao exercício da autonomia da vontade. Especialmente em relações desiguais, o suposto "consentimento informado" não é suficiente para que uma declaração de vontade seja considerada lícita; neste caso, a declaração de vontade positiva a respeito da aquisição de produto impróprio para sua finalidade é nula. É por essa mesma razão que, mesmo que haja informação clara e direta, não pode um trabalhador declarar aceitação a uma proposta de contrato de trabalho que, como contrapartida a uma jornada de quarenta e quatro horas, acarrete remuneração inferior a um salário mínimo. No âmbito do Direito do Consumidor, há uma série de outras cláusulas contratuais consideradas nulas de pleno direito elencadas no art. 51 do CDC. Por outro lado, a recorrida sustentou duas teses que, em sua visão, excluiriam a sua responsabilidade: a "inexistência de prejuízo ao consumidor" e a existência de "prática comum no mercado". Os argumentos da recorrida não são sustentados por uma análise econômica que considere a estrutura de mercado em que está inserida e seu poder de determinação de preços. As fabricantes de smartphones compõem um mercado marcado pela competição monopolística, em que, embora seja possível a livre entrada e a livre saída de fornecedores, fabricam-se produtos que não são idênticos, ou seja, não são perfeitamente substituíveis, conforme Pindyck e Rubinfeld (2013): As empresas competem vendendo produtos diferenciados, altamente substituíveis uns pelos outros, mas que não são, entretanto, substitutos perfeitos. Em outras palavras, as elasticidades preço da demanda cruzada são grandes, mas não são infinitas. [...] Ao contrário do que ocorre na competição perfeita, com a competição monopolística o preço de equilíbrio é mais alto do que o custo marginal (PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 8. ed. São Paulo: Pearson, 2013 - grifo nosso). Num mercado monopolisticamente competitivo, quanto mais um produto é percebido como diferente dos demais (ainda que essa diferenciação não se verifique em termos de qualidade), maior é a possibilidade de fixação de preços de forma similar a um monopolista. É por essa razão que os preços praticados pela recorrente são muito mais altos do que os de empresas concorrentes, ainda que seus custos sejam similares. No presente caso, o poder de monopólio da representada permitiu que a remoção dos carregadores de bateria não afetasse o preço. Nesse contexto, na verdade, a tentativa da empresa de ocultar o caráter de competição monopolística que o mercado de smartphones apresenta e que a favorece na estipulação de preços ao consumidor. O fato é que a retirada o acessório não trouxe redução de preço ao consumidor, mas aumento decorreu de "inovação tecnológica agregada". Ainda assim, o decréscimo de preço dos aparelhos da geração anterior um ano após o lançamento, com o advento da geração seguinte não são justificados pela eliminação dos carregadores de bateria, mas pela própria defasagem de tecnologia, de interesse do consumidor e de diferenciação no mercado em concorrência monopolística. O último argumento sustentado pela empresa orienta-se para a existência de uma "prática comum no mercado" a qual autorizaria a empresa a continuar fornecendo smartphones desacompanhados dos carregadores de bateria. O argumento da recorrida não é suficiente para um raciocínio analógico válido, pois os produtos comparados têm natureza completamente distinta da dos produtos envolvidos neste processo. Nenhum dos objetos de comparação tem a característica de essencialidade na vida cotidiana como os smartphones, por meio dos quais boa parte da rotina de quase 80% da população brasileira, conforme dados do IBGE1. É possível presumir que um consumidor de um leitor de livros digitais tenha um smartphone para fazer uso do seu carregador de bateria, mas não o contrário. Desse modo, seja do ponto de vista normativo, seja do ponto de vista fático, não se sustenta a tese de exclusão da responsabilidade da representada pela alegada "inexistência de prejuízo" e pela "prática comum no mercado". Por fim, cabe destacar que em relação a venda de smartphones no mercado de consumo desacompanhados de carregador de bateria, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, através da Secretaria Nacional do Consumidor, nos autos do Processo Administrativo nº 08012.003482/2021-65, em que foram partes o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (ex officio) e a Apple Computer Brasil LTDA., reconheceu a existência de prática discriminatória sobre os consumidores realizada de forma deliberada e Transferência de responsabilidades exclusivas do fornecedor, por parte da recorrida, consoante ementa que segue: EMENTA: Processo administrativo sancionador. Inserção de smartphones no mercado de consumo desacompanhados de carregador de bateria, para cumprimento de alegado compromisso ambiental. Preliminar de violação das premissas do processo sancionador, pela impossibilidade de disciplinamento das relações contratuais, pela inexistência de averiguação preliminar perante a CGCTSA e pela ausência de contemporaneidade do procedimento aos fatos apurados. Rejeição. Preliminar de desvio do poder punitivo do Estado por bis in idem na apuração de infrações pela SENACON e pelo PROCON-SP. Não demonstração específica da identidade de objetos. Rejeição. Mérito. Conformidade ambiental como fundamento para a restrição adotada pela representada. Medida não suportada pelo princípio da proporcionalidade. Fornecimento de produto incompleto ou despido de funcionalidade essencial. Prática discriminatória sobre os consumidores realizada de forma deliberada. Transferência de responsabilidades exclusivas do fornecedor. Reconhecimento da prática das infrações previstas nos arts. 12, I e IX, 13, XXIII, e 22, III, do Decreto n.º 2.181/97. Alegações de inexistência de prejuízo e de prática comum no mercado. Rejeição. Aplicação de sanção de multa no valor de R$ 12.274.500 (doze milhões duzentos e setenta e quatro mil e quinhentos reais). Do mesmo modo, a jurisprudência das Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro, não é unanime com relação ao tema em debate, valendo destacar o seguinte jugado: Inicialmente destaca-se que à demanda aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, o qual positiva um núcleo de regras e princípios protetores dos direitos dos consumidores em razão de sua vulnerabilidade, figurando a parte ré como prestadora de serviço e o autor na condição de consumidor, nos termos dos arts. 3º e 2º, respectivamente. A pretensão recursal é no sentido de que seja reformada a sentença, para julgar improcedente os pedidos autorais, com fundamento de que o réu não tem o dever de fornecer o adaptador, sendo certo que todas as informações foram passadas ao consumidor no ato da compra. Inicialmente, não pode a parte recorrente, de uma hora para outra e de forma inesperada, agir com comportamento contrário ao normalmente realizado, deixando de fornecer todos os equipamentos necessários ao regular uso do produto, quebrando a legítima expectativa do autor, com base no princípio da boa-fé objetiva, e do venire contra factum proprium, Insta salientar ainda, que não merece acolhimento as teses defensivas, sendo certo que o fornecedor de produtos e serviços tem o dever de fornecer todos os meios para a utilização completa do produto e para os fins a que se destina, na forma do art. 18 do CDC. É lógico que o não fornecimento do carregador impossibilita o uso do próprio aparelho celular, considerando que o cabo USB não é fabricado para ser conectado diretamente na tomada. Assim, tenho que há violação do art. 18 do CDC, assim como ao art. 32 do mesmo código que determina que os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Desta forma, é cediço que a parte recorrida não se desincumbiu do ônus de comprovar a regularidade de seus procedimentos, a fim de desconstituir a pretensão autoral, na forma do art. 373, II do NCPC c/c art. 14 § 3º do CDC. Por fim, o dano moral, in casu, se dá in re ipsa, visto que frustrada a legítima expectativa da autora quanto ao uso do produto de acordo com as suas finalidades. Ademais, a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, consoante dispõe o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor. Comprovados o dano, a conduta e o nexo causal, estão presentes os pressupostos ensejadores da responsabilização civil da parte ré. Ressalta-se que a fixação da verba indenizatória deve levar em conta o caráter pedagógico punitivo do mesmo, o aborrecimento incomum ao cotidiano suportado pela parte autora, mostrando-se, portanto, razoável a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), como bem fixado pelo juízo sentenciante. Isso posto, VOTO no sentido de conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento para MANTER INTEGRALMENTE A SENTENÇA, nos termos da fundamentação supra, na forma do art. 487, I do CPC. Custas e honorários pela ré, estes fixados no valor de 20% da condenação, na forma do art. 55 da lei 9.099/95. (4ª Turma Recursal, Relator Eric Scapim Cunha Brandão, Recurso Inominado n. 0827163-65.2021.8.19.00038). Por tudo que foi dito, resta caracterizado o dever da recorrida em fornecer, sem custos, um carregador original e compatível com o aparelho da recorrente, qual seja, iPhone 11, 128 GB, Preto. E, ainda, como se trata de conduta ilícita praticada pela empresa, o dano moral em in res ipsa, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Isto posto, VOTO NO SENTIDO DE CONHECER DO RECURSO E DAR PARCIAL PROVIMENTO para determinar que a recorrida forneça sem custos, um conector de tomada, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado, sob pena de multa de R$ 680,00 (Seiscentos e oitenta reais), que deverá convertida em perdas e danos em caso de descumprimento; bem como condenar a recorrida a pagar à recorrente, corrigidos a partir da citação, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais. Sem honorários, face ao êxito. Rio de Janeiro, 13 de março de 2023. ALEXANDRE CHINI Juiz Relator 1 Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2022. -------------- ----------------------------------------------------------- -------------- ----------------------------------------------------------- PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO TERCEIRA TURMA RECURSAL Juiz Relator: Alexandre Chini
(TJ-RJ - RI: 08558157220228190001 20237005092078, Relator: Juiz(a) ALEXANDRE CHINI NETO, Data de Julgamento: 14/03/2023, CAPITAL 3a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS, Data de Publicação: 15/03/2023)